O disco voador de O Cruzeiro

Instituto Gutenberg, Boletim Nº 24 Série eletrônica, janvier 1999

Médico e, não menos importante, ficcionista, Accioly Netto fez carreira como redator-chefe de O Cruzeiro, a grande revista semanal do Brasil nos anos 50 e 60. Seu livro é um testemunho imprescindível sobre um dos momentos mais inquietos da imprensa brasileira. Narra o ápice e a decadência da publicação, desvenda segredos dos famosos jornalistas do país naquele período, como David Nasser, Jean Manzon, Ubirantan Lemos, Indalécio Vanderley, e pincela os bastidores de reportagens ainda hoje controversas. Uma delas imprimiu um disco voador nos céus na Barra da Tijuca no Rio. Trechos do relato de Accioly Netto sobre este spisódio, no capítulo "Pioneiros heróis e discos voadores":

Certa manhã, João Martins me informou que uma figura estranha fora vista nas areias então desertas da Barra, onde existiam apenas algumas casas de pescadores e um restaurante para turistas. Tratava-se, ao que parecia, de um andarilho solitário que muito se assemelhava a Adolph Hitler, supostamente vivo! Como [o fotógrafo] Ed Keffel falava alemão, João Martins sugeriu que fossem os dois averiguar se a história tinha algum fundo de verdade, ou ao menos tentar fotografar o tal andarilho e procurar conhecer sua história. Achei a idéia boa e concordei. E lá se foram os dois.

Lá chegando, logo constataram que a história do andarilho não passava de boato e que o suposto Hitler era apenas um pesquisador de botânica, de nacionalidade holandesa. Diante disso, resolveram, antes de voltar à redação, degustar uma caldeirada de badejo acompanhada de generosas quantidades de cerveja. Terminando o almoço, deitaram-se na areia, diante do mar, sob uma amendoeira, para descansar um pouco.

Foi quando João Martins percebeu no céu azul um objeto de formato estranho que se deslocava velozmente, parando de vez em quando no ar para depois recomeçar a mover-se, sempre em alta velocidade. Curioso é que não fazia qualquer ruído, embora estivesse chegando cada vez mais perto de onde eles estavam. João Martins levantou-se de um salto, já esquecido da caldeirada que lhe pesava no estômago e gritou para Ed Keffel, apontando o objeto no céu:

- Ed! Depressa!! Fotografe aquela coisa!

Tudo aconteceu muito rápido. Ed Keffel, fotógrafo esperto que era, focalizou o objeto que se aproximava cada vez mais e apertou o botão da máquina, diversas vezes seguidas, sem tremer. Um segundo depois, o objeto passava por cima deles, sempre silenciosamente, até desaparecer por trás da Pedra da Gávea, enquanto os dois observavam o céu claro do meio-dia, mudos de espanto. Era um objeto grande, de formato circular, como dois pratos imensos de metal prateado sobrepostos. João Martins ainda notou, quando o objeto se aproximava, que nas bordas havia luzes nas cores verde e vermelha, que piscavam.

Passado um primeiro momento de estupor, os dois saíram correndo com destino à redação. Ainda na Barra da Tijuca, deram uma parada em um botequim de beira de estrada e me telefonaram, em grande excitação. João Martins me pediu para segurar o laboratorista em plantão, pois tinham acabado de conseguir "algo extraordinário". Logo chegavam, ambos cada vez mais empolgados. Ed Keffel tirou da máquina o rolinho de filme e o entregou a Leão Gondim, que estava comigo, sem explicar o que era. Esperamos nervosamente enquanto o filme era revelado. Quando a porta do laboratório se abriu, correram para ver o filme que acabava de sair do revelador.

- Saiu! - gritaram.

Corri para ver. Na foto, havia no azul do céu um ponto prateado, que aumentava de tamanho a cada fotografia da seqüência. Posta no secador, a película foi em seguida ampliada ao máximo. Agora em tamanho maior, via-se nitidamente que o objeto tinha de fato o formato de dois pratos de metal unidos pelas bordas, embora num primeiro momento nem Leão Gondim nem eu estivéssemos entendendo do que se tratava.

Só então Ed Keffel e João Martins nos explicaram, ofegantes, que se tratava de um disco voador. Ao ouvir isto, Leão Gondim disparou rumo à oficina de impressão, que se preparava para rodar a revista e mandou parar as máquinas. Com as fotografias na mão, ordenou ao diagramador que rapidamente armasse páginas novas, tirando da revista duas reportagens. Em poucos minutos, foi feito um caderno complemento de 16 páginas, sob a supervisão de Ed Keffel, enquanto João Martins batia à máquina o texto da reportagem. Todo o trabalho foi feito em algumas horas e, de madrugada, O Cruzeiro era distribuído trazendo a matéria sobre o disco voador. Em menos de duas horas, a edição estava esgotada.

Logo, a rádio Tupi começou a noticiar o acontecimento, enquanto chegavam à redação de O Cruzeiro pedidos e mais pedidos de outros órgãos de imprensa interessados nas fotos, inclusive várias agências de notícias estrangeiras. Depois disso, viriam ao Brasil especialistas e técnicos de observatórios da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos, inclusive da NASA e FBI. Uma minuciosa investigação foi feita com exames de nossas fotografias. Foram tiradas também novas fotos no mesmo local, em diferentes horas do dia. E o Observatório Nacional forneceu relatórios sobre as condições meteorológicas, a direção dos ventos e outros dados científicos sobre o dia em que o objeto fora visto.

No início, pensava-se tratar de um hábil truque fotográfico, ou mesmo de uma brincadeira de nossa parte. Cheguei a dar várias entrevistas, contando e recontando o que me fora narrado pelos dois repórteres. Ed Keffel e João Martins ficaram na berlinda. De minha parte, posso afirmar que um profissional da fotografia com o nível de Ed Keffel seria capaz de fazer um truque daqueles, mas, pelo que conheci de seu caráter e seriedade, além de tudo o que presenciei naquele dia, acredito sinceramente que ele não se prestaria a semelhante farsa.